sexta-feira, 24 de junho de 2011

É o primeiro barrete de Passos Coelho?

1. A resposta é negativa: Passos ainda não enfiou nenhum barrete. A questão do anúncio da extinção dos governadores civis e a subsequente birra destes que resultou na demissão foram um verdadeiro bálsamo espiritual para o novo governo. Com efeito, os portugueses encaram ao cargo de governador-civil como a concretização mais perfeita dos defeitos da política atual: lugarzinhos para os amigos e amigalhaços partidários como contrapartida de favores ou recompensas por derrotas eleitorais. E sabem que mais, caros leitores? Têm toda a razão. A saída em cena dos ferrenhos socráticos presenteados com um governo civil por esse país fora foi aplaudida pela (grande!) maioria dos portugueses.
2. Com efeito, os governos civis mais não são do que um enorme e inútil encargo financeiro para o Estado que não contribui em nada para uma melhor prossecução do interesse público. São uma figura arcaica, que refletem uma tradição centralista ancestral da organização político-administrativa portuguesa: os governadores-civis seriam, assim, os representantes do Governo em cada circunscrição administrativa. Qual a sua justificação? No século XIX, como as comunicações entre os vários pontos do território eram muito mais difíceis, como o poder local era muito incipiente, justificava-se que o governo tivesse necessidade de ter um órgão mais próximo das populações. Que sentisse os seus problemas. Que pudesse contribuir para as soluções. Ora, atualmente, o poder local apresenta uma pujança e influência política significativas, gozando de uma protecção constitucional contra ingerências indevidas do executivo no exercício das suas competências e atribuições. O caminho passa, pois, pela reorganização da nossa administração, promovendo uma maior autonomia dos entes locais reforçando igualmente a sua responsabilidade. Como? Proponho, por exemplo, a transferência dos meios afetos aos governos civis para as Comunidades intermunicipais ou Comunidades Urbanas, numa lógica de associativismo municipal que combata de forma mais eficiente os problemas comuns a uma região do nosso país. Há que perder os traumas que ainda restam em relação ao poder local e às suas virtualidades.
3. Se a medida é politicamente justificável e justificada, juridicamente suscita problemas de constitucionalidade. A Constituição da República Portuguesa prevê, no art.291.º, a existência de governadores-civis enquanto se mantiver o distrito como a principal circunscrição administrativa nacional. Tal artigo enuncia, pois, uma disposição transitória, incluída na Lei Fundamental em consequência da vontade do legislador constituinte de dividir o território em regiões administrativas. Na minha opinião, a decisão do governo Passos Coelho de não nomear novos governadores não padece de inconstitucionalidade: as regiões administrativas ainda não foram constituídas e, no entanto, estão previstas na CRP desde 1976. As comissões de moradores ainda gozam de previsão constitucional. Há, pois, normas da Constituição que têm uma função de instrução, de pedagogia ao legislador ordinário (comum - governo e AR) - e não propriamente de uma vinculatividade jurídica forte. Até porque o objetivo de Passos Coelho é voltar, a breve trecho, a trazer o tema da regionalização para a ordem do dia: é evidente que o governo está a preparar o terreno para avançar com a instituição das regiões administrativas. Mas mal. 

http://aeiou.expresso.pt/e-o-primeiro-barrete-de-passos-coelho=f657527
In ExpressoOnline

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