"Ela tem problemas de alcoolismo desde os 15, bebia 20 litros de cerveja  por dia, mas eu consegui que ela só bebesse três: um de manhã, outro ao  almoço e outro ao jantar"
Basta um carro da PSP ir atrás de um tipo numa fila de  trânsito e, pronto, está tudo estragado. João Paulo, que não tem carta  de condução, nem nunca teve, arrancou no sinal vermelho, em plena Avenida da Liberdade.  Não teria ele visto o sinal? Fugira por uma emergência? Não se  apercebeu que mesmo atrás de si seguia um carro da PSP devidamente  identificado? Ele explica à juíza: "Passei o vermelho porque os polícias  me deixaram nervoso."
E assim se apanha um homem a conduzir sem  carta. Não é porque por acaso foi parado numa operação Stop, apanhado em  excesso de velocidade ou em manobras perigosas. João Paulo, magro e  encurvado, é na verdade um homem bondoso: fugiu de um semáforo à dita  cara podre de um carro fardado. O agente da PSP confirma em tribunal:  "Só o abordámos porque ele arrancou no sinal vermelho mesmo à nossa  frente." 
Antes, João Paulo, 45 anos, condutor não autorizado de  um Opel Astra, insistira: "Eles enervaram-me, porque eu tenho uma  psicopatia. Mas depois percebi que os senhores agentes são pessoas  excepcionais."
Os factos não deixam margem para dúvidas: João Paulo ia ao volante de um Opel Astra e não tem carta de condução.
"Sabe que é preciso carta de condução para conduzir aquela viatura?", questiona a juíza.
"Sei sim, sô dôtora."
"Quer falar sobre isso, senhor João Paulo?"
"Estou arrependido, sô dôtora. Foi um lapso."
"Um lapso?"
"O carro é da minha esposa, mas ela também não pode conduzir."
"Se não pode conduzir porque é que comprou um carro? Não é pôr a carroça à frente dos bois?"
"Era para vários condutores." 
A  esta hora já todos se riram na sala de audiências: juíza, procuradora,  advogado. E a história ainda vai a meio. João Paulo tem três filhas da  primeira companheira e estas um irmão de outro homem. A actual  companheira bem queria um filho dele, mas não pode engravidar e mesmo se  pudesse ele "também não deixava". "É melhor não", solta a juíza. Ela  tem prolapso e incontinência. Ele já foi sem-abrigo, toma metadona,  cadastro não lhe falta, vem de uma cura de desintoxicação do álcool.  "Comecei a beber porque a minha companheira de há seis anos ia para a  cama e em vez de se agarrar a mim passava a noite agarrada à cerveja."  Mas João Paulo é um homem optimista. Ninguém acredita, só ele, que a sua  vida vai no bom caminho. "Ela tem problemas de alcoolismo desde os 15,  bebia 20 litros de cerveja por dia, mas eu consegui que ela só bebesse  três: um de manhã, outro ao almoço e outro ao jantar. Por amor consegui  que ela fizesse isso." Estão desempregados, mas com o rendimento mínimo  já conseguiram alugar uma casa. Não importa se foi só há três dias.  Almoçam na AMI, nas Olaias. Para o jantar abastecem-se no supermercado.  "Compramos duas pizzas por 1 euro e 99 cêntimos, uns pães, umas  manteiguinhas, um litro de cerveja para ela e um Jói para mim."
João Paulo sai com cem horas de trabalho comunitário e com avisos: 
"Tem de se ver livre deste carro, senhor João Paulo, senão isto só lhe vai dar problemas", alerta a juíza.
"Dia  12 tenho a minha reforma da Força Aérea que já estou para receber há 20  anos. A vida de um gajo vai mudar. Vou tirar a carta e depois comprar  um carro para mim. E a minha companheira vai-se curar, tenho a certeza,  por amor a mim." 
"Está bem, mas desfaça-se lá do carro."
João  Paulo levantou-se e foi à sua vida de gajo, com a sua Margarida. E  todos no tribunal reprimiram um sopro de riso, como se ninguém  acreditasse num fim feliz para a história de amor de um tipo que conduz  por lapso e de uma mulher que já só bebe três litros de cerveja.
IOnline
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