quinta-feira, 31 de março de 2011

Souto de Moura: “Nunca pensei receber o prémio Pritzker”


"Um país com dez milhões de habitantes e dois prémios Pritzker não é muito comum", disse ontem Souto Moura

Há uns tempos, Eduardo Souto de Moura recebeu um telefonema em que lhe comunicavam que lhe tinha sido atribuído o Prémio Pritzker. "Não percebi. Pediam-me para enviar uns papéis, pensei que era uma brincadeira", afirmou o arquitecto, esta segunda-feira à noite, na conferência de imprensa que deu num hotel, em Lisboa, no dia em que se soube que venceu o Prémio Pritzker, considerado o Nobel da arquitectura.
Nesse telefonema asseguraram-lhe que era verdade e pediram-lhe para assinar um contrato de sigilo porque seria muito desagradável que a imprensa publicasse a notícia antes que a entidade que dá o prémio o anunciasse. Foi isso que aconteceu. O "site" espanhol, especializado em arquitectura, Scalae, colocou a notícia online. "De manhã, telefonaram-me a dizer que saiu a notícia em Espanha e só de tarde é que foi divulgado oficialmente. Da minha parte não houve fuga de informação", acrescentou.
Quando recebeu o telefonema da Fundação Hyatt que atribui o prémio no valor de cem mil dólares (71 mil euros) o arquitecto ficou muito admirado. "Na altura, como não era oficial fui ao site do Prémio onde estava a votação em cada candidato deste ano. Eu acho que estava em último lugar: tinha 700 votos", contou.
Em primeiro lugar nessa lista encontrava-se o arquitecto britânico David Chipperfield, seu amigo, e que durante a viagem de táxi que Souto de Moura fez do aeroporto de Lisboa para o hotel, onde decorreu a conferência de imprensa, lhe telefonou a dar os parabéns.
"Fiquei sempre na expectativa até que hoje o New York Times - com todo o respeito por vocês - me disse que me quer fazer umas perguntas amanhã, o que é sinal de que é verdade", brincou com os jornalistas.
O outro português que já recebeu um Pritzker, o arquitecto Álvaro Siza, disse que era uma questão de tempo até que Souto de Moura recebesse este prémio. Eduardo Souto de Moura não sentia isso e citou Siza, com quem trabalhou, e que sempre lhe disse que "a primeira condição para ganhar prémios é não se pensar neles".

Nunca pensou ganhar o Prémio Pritzker. "Tive uma leve suspeita, para dizer a verdade, de ganhar o Prémio Europeu de Arquitectura Mies van der Rohe com o Estádio de Braga. Perdi por um voto segundo me disseram. Mas o Pritzker é muito complicado porque é o mundo inteiro."
Eduardo Souto de Moura considera que receber o prémio agora "é muito bom" porque "estava muito preocupado" com a sua actividade de arquitecto: "Primeiro, porque praticamente só trabalho lá fora. Estou a ficar cansado e não é razoável. Segundo, por causa dos escritórios de arquitectura em Portugal. Não há emprego, está tudo a emigrar. Temos bons arquitectos e a chamada geração à rasca está mesmo à rasca. E não há para onde ir. O único sítio para onde os arquitectos portugueses estão a ir é para a Suíça - a Europa não está famosa - e estão a ir para o Brasil. Há um certo prestígio das escolas e dos arquitectos portugueses. Um país com dez milhões de habitantes ter dois prémios Pritzker não é muito comum."
Se tivesse que eleger uma das suas obras elegeria o Estádio do Braga. "É uma obra que tive a oportunidade de fazer no sítio e no momento certo. Fazer uma obra que vai desde uma intervenção de paisagem - mudei a geografia daquele sítio - até ter conseguido desenhar os puxadores das portas. É uma obra...em que os defeitos são meus. Não tive nenhuma pressão, agora tenho, há problemas financeiros, mas na altura isso não aconteceu."
"Este prémio se mo deram a mim não é por ser excepcional, eu prefiro pensar que sou normal. Eu adivinho que com a crise económica os arquitectos excepcionais não vão ter nenhum futuro. Acabou um certo estrelato da arquitectura."
"Como dizia Mário Cesariny o país está com o tecto muito baixo e estes prémios - já é o segundo Pritzker para Portugal - são alavancas para levantar o país. Isto acontece não só na arquitectura, no futebol, na ciência mas também na literatura", conclui.

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